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Gildo Afonso e a Esclerose Múltipla: da cadeira de rodas ao Ironman

A Binding Site Brasil tomou conhecimento da incrível história de superação do advogado, maratonista e triatleta Gildo Afonso em maio deste ano.

Desde então, ele se tornou nosso parceiro e companheiro de luta pelo diagnóstico precoce e preciso da Esclerose Múltipla, doença da qual ele descobriu ser portador em 2017.

Até o fim do ano, Gildo irá participar de uma série de ações da Binding Site Brasil – que iremos revelar aos poucos, ao seu tempo. A primeira delas foi uma corrida de 10 km em Porto Velho, Rondônia, cidade natal do atleta.

Em seguida, Gildo participou da gravação de um dos episódios do Binding Site Talks, em que ele nos contou sua história: cheia de altos e baixos, como a de todos nós, mas repleta de força de vontade, capacidade de recuperação e empenho em perseguir seus sonhos.

Com base nessa entrevista, foi feito o texto abaixo, em que o próprio Gildo relata sua trajetória.

A descoberta da doença

Eu tinha 23 anos, morava em Porto Velho, capital de Rondônia, onde nasci e cresci. Havia acabado de me formar na faculdade e passado no concurso dos meus sonhos.

Nessa época fui perdendo os movimentos do corpo. Começava a caminhar e não conseguia prosseguir. Tentava pegar uma caneta, mas não era capaz de segurá-la. Comecei a entrar em desespero.

Procurei um hospital e já fiquei internado. Dia após dia, meu quadro foi piorando. Foram levantadas várias hipóteses de diagnóstico – entre elas, o de Esclerose Múltipla.

Vários exames foram feitos, mas nenhum conseguia fechar o diagnóstico. Por recomendação de um médico, fui para São Paulo e me submeti a muitos outros testes, um processo bastante demorado. Até que recebi a notícia de que, de fato, era a doença.

Os primeiros passos

Vivi altos e baixos. Foram várias opções de tratamento, boas e ruins, até eu me adaptar. Aos poucos, dia após dia, coloquei na cabeça que eu iria lutar para superar a mim mesmo. Foi quando construí essa mentalidade que eu encontrei o esporte.

Passei, todos os dias, a me deslocar para um espaço onde as pessoas faziam caminhada e tentava andar. No começo, para falar a verdade, eu arrastava uma das pernas, conseguia percorrer somente 200, 300 metros. Não foi uma evolução do dia para a noite, até porque eu tive episódios de surto da doença, o que me fazia regredir.

Então, era assim: eu caminhava bem, chegava a andar uns 500 metros, aí vinha um novo período de surto e eu voltava para a cadeira de rodas. Mas, pensei comigo: se o próprio Deus recomeçou o mundo, quem somos nós para não fazer o mesmo com nossas vidas? Com esse tentar, falhar e continuar, cheguei a caminhar dois quilômetros.

As corridas

Certo dia, conversando com um treinador, me veio a ideia de me inscrever em uma corrida – até mesmo para eu ter uma meta. Foi assim que comecei minha trajetória no esporte.

Minha primeira prova foi em 2018, quando corri meus primeiros dez quilômetros na chamada Corrida do Fogo, sob o sol do Norte, em Rondônia, às 4 horas da tarde. Deram a largada e eu fui: eu não tinha tênis de corredor, relógio, nenhum desses apetrechos de atleta. O que eu tinha era muito medo de falar para as pessoas que eu portava a doença, do julgamento delas.

Terminei a corrida em 64º. Subi no pódio e comemorei sozinho. Para mim, não era questão de ganhar, de estar entre os campeões: era uma luta minha contra a Esclerose Múltipla. Senti naquele dia que tive minha primeira vitória.

Campeão!

Foi então que surgiu um desejo: e se um dia eu for capaz de subir em um pódio de verdade e ganhar um troféu? Logo senti que alguma coisa dentro de mim havia mudado. Comecei então a treinar para um dia conseguir esse lugar.

Mudei a alimentação, o sono e dei início a um processo de muito treino e dedicação. Até que, oito meses depois, conquistei meu primeiro pódio: terminei uma corrida em primeiro lugar!

A partir disso, consegui ressignificar o diagnóstico e passei a me dedicar para valer às corridas. Eu só trabalhava e corria, se tornou uma meta de vida.

Porém, até então, eu só tinha feito provas de curta distância, no máximo 15 km. Então, me veio outra ideia: e se eu correr uma maratona, 42 km?

A maratona

Conversei com minha treinadora e ela disse que poderíamos tentar. Assim, logo me inscrevi na Maratona do Rio de Janeiro, que aconteceria somente no ano seguinte, em 2019.

Foram meses de preparação, o que não é fácil para quem tem a doença. Quem é portador da Esclerose Múltipla sabe que há muita imprevisibilidade quanto ao futuro, você não sabe quando pode ter um novo surto.

Por isso, é uma questão de alimentar todos os dias a sua esperança. Graças a Deus, o dia chegou, fui ao Rio e consegui completar minha primeira maratona.

Eu tinha feito a viagem sozinho. Depois da prova, cheguei, me sentei nas escadas do hostel em que eu estava hospedado e me lembrei do que as pessoas falavam: que correr uma maratona era algo muito difícil. Eu mesmo, quando estava na cadeira de rodas, no início do diagnóstico, pensava que era algo surreal.

Mas, lá estava eu: havia acabado de conseguir. E não porque a maratona havia ficado mais fácil: eu é que estava mais forte.

Triathlon e o medo que restava

Quando você conquista uma vitória como essa, se sente mais forte para seguir em busca de um projeto maior. Na mesma época, assisti a um filme chamado 100 Metros, que conta a história de um homem com Esclerose Múltipla que completou um Ironman, na Espanha. Foi quando refleti: já pensou construir uma história dessas aqui no Brasil?

O engraçado é que eu já havia superado a cadeira de rodas, as corridas, já tinha feito uma maratona, mas ainda tinha medo de outra coisa: do julgamento das pessoas, de imaginar como elas iriam reagir quando soubessem do meu diagnóstico.

Nesses tempos, comentei com um amigo que eu havia completado uma maratona. A resposta dele foi interessante, ele disse: “você é um livro que eu gostaria de ler, mas você não tem coragem de publicar essa história. Não seria interessante você começar a contar para as pessoas sobre a Esclerose Múltipla?”

Foi só aí que eu comecei a narrar minha jornada, sobre o sonho de fazer um Ironman. Para minha surpresa, tudo começou a mudar – entendi que o medo só se alojava dentro de mim. Quanto mais eu falava sobre a Esclerose Múltipla, mais eu me sentia abraçado. O que eu achava que seria uma prisão, foi libertador.

Atrás do sonho

Comecei a treinar para o Ironman. Porém, eu morava em Porto Velho, uma cidade com poucos triatletas. Certo dia, um deles me falou que tinha uma treinadora que havia o ajudado de várias maneiras, mas que ela morava em São Paulo.

Entrei em contato, ela disse que poderia me auxiliar também, porém era preciso que eu fosse treinar na capital paulista.

Foi uma decisão muito difícil, porque eu morava somente com minha mãe, minha irmã havia saído de casa há pouco tempo. Além disso, o triathlon é um esporte caro. Mas, sonho é sonho.

Vendi então o meu carro, que era tudo o que eu tinha, para comprar uma bicicleta e me mudar para São Paulo.

Vim em dezembro de 2019, aproveitei que já estava aqui e participei da minha primeira São Silvestre. É uma prova grande, famosa, que eu sempre tive o sonho de correr. Foi minha primeira vitória na nova cidade.

Reveses

Quando eu pensava que iria começar minha jornada rumo ao Ironman, recém-chegado em São Paulo, tive um surto da doença, depois de passar dois anos muito bem.

Então, voltei a ser internado, voltei a ter dificuldade nos movimentos e logo vi que o processo não seria tão fácil quanto eu esperava.

Depois, veio a pandemia, as provas foram adiadas e todos ficaram em casa. Voltei à fisioterapia e ao meu processo de reabilitação. Passei 2020 todo treinando para me recuperar e ter a oportunidade de fazer a prova quando o mundo voltasse ao normal.

Chegou 2021, o Ironman estava previsto para novembro. No entanto, por causa de uma mudança de medicação e outros fatores, em julho eu tive um novo surto – e fui cortado da prova. Não foi um surto leve, foram alguns dias no hospital. Quando saí, estava de novo em cadeira de rodas.

Foi um ano bastante complicado, em que passei por três internações, a última em outubro. Nessa ocasião, foram dez dias tomando corticoide, mesmo assim os movimentos não voltavam.

Mais um recomeço

Sem sucesso, os médicos sugeriram outro tratamento chamado plasmaférese, no qual todo plasma do meu sangue seria filtrado em uma máquina para se ver livre da inflamação causada pela Esclerose Múltipla. Topei na hora.

Assim, inseriam um cateter no meu pescoço para filtrar o plasma, dia sim, dia não – ao longo de dez dias. É um procedimento muito difícil, pois retira todo o sangue do corpo. Fiquei muito debilitado, não sentia minhas pernas. Foi o período em que me encontrei mais abalado, sumi das redes sociais.

Minha dúvida já não era mais se eu conseguiria fazer o Ironman, e sim se eu voltaria a andar.

Depois de 20 dias, recebi alta. Diante da dificuldade dos meus movimentos, um dos médicos disse que talvez fosse o momento de eu repensar minha vida como atleta, que eu talvez devesse aprender a tocar algum instrumento, para estimular os movimentos, que eu teria de passar por muita terapia ocupacional e fisioterapia – para, talvez, com os anos, voltar a correr. Mas, que tudo era muito incerto.

Recuperação

Claro, logo vi que o Ironman no momento havia se tornado algo impossível. Fiquei muito abalado naqueles dias, me tranquei em meu quarto. Porém, percebi que só restavam duas alternativas: ficar fechado em casa ou dar a volta por cima. Então, voltei à fisioterapia, todas as manhãs. E, à tarde e à noite, em casa, eu repetia todos os movimentos.

Foi quando recebi todo apoio. Avisei minha treinadora que eu não sabia quando ou até mesmo se eu voltaria, pois não tinha certeza se os movimentos retornariam ao normal. Ela disse que estava comigo para o que desse e viesse. Na mesma época, recebi uma música de um amigo, que me deixou muito emocionado.

Assim, a chave virou. Pensei: não sei se vou conseguir, mas vou fazer o máximo para chegar lá.

Outro fato me encheu de esperança. O Ironman, que seria em novembro de 2021, por causa da pandemia, havia sido adiado para maio de 2022. Eu não teria muito tempo, mas daria tudo de mim. Aos poucos, voltei a andar e os movimentos foram retornando.

Chegou a época de mais uma São Silvestre. Decidi participar, nem que fosse para caminhar e não chegar ao final. No entanto, ter uma prova em vista me encheu de tanta esperança que em 36 dias eu voltei a correr.

Quando contei ao médico que tinha retornado às corridas, lembro dele dizer que nada explicava a capacidade regenerativa que o meu corpo estava desenvolvendo.

Fiz a São Silvestre e deu tudo certo.

Enfim, o sonho

O Ironman é em Florianópolis. Você tem que nadar 3,8 km em alto mar, pedalar 180 km e correr uma maratona, 42 km.

O treinamento foi cheio de altos e baixos, tantos que minha treinadora só me liberou para fazer a prova quatro semanas antes, quando enfim eu consegui pedalar 180 km.

Fui e foi uma experiência incrível. Foram 12 horas de prova, debaixo de chuva do início ao fim – o que a torna ainda mais difícil. Entre todos os problemas, concluí o tão sonhado Ironman.

Durante a prova, eu sabia que estava vivendo uma história de filme. Afinal, eu estava fazendo o mesmo que o atleta daquele filme que eu havia visto, cuja perseverança havia me inspirado tanto.

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